Blaise Pascal. Este é o assunto de hoje. Andrei Venturini Martins, autor de Do Reino Nefasto do Amor-Próprio – A origem do mal em Blaise Pascal, é o convidado da vez no Blog da É. Confira agora mesmo o bate-papo rápido sobre o grande pensador francês do vazio infinito, da graça e da origem do mal, entre tantos outros assuntos que ainda hoje, tantos séculos depois, fala a todos nós. Imperdível e inspirador!
É Realizações – Blaise Pascal nos ajuda a compreender o mundo ou a nós mesmos?
Andrei Venturini Martins: Diria que Pascal nos mostra o quanto o mundo é caótico e como o homem fica desorientado diante das situações que o ameaçam. Além do caos no mundo, há o desamparo do homem. O filósofo sublinha a dose de miséria presente no homem.
Do que consiste essa miséria?
Inconstância, ausência de completude, insuficiência, doenças que o atacam e a morte que o perturba. Porém, a percepção dessa fragilidade também revela a grandeza humana. O homem não sofre e morre simplesmente, mas ele sabe que sofre, está ciente que morre. Portanto, para Pascal, o homem é um paradoxo de grandeza e miséria: “A grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável; uma árvore não se conhece miserável”. Conhecer esse paradoxo é perceber os limites da condição humana.
É possível encontrar Deus nos escritos de Pascal?
O termo “Deus” aparece constantemente na obra de Pascal. Porém, isso não significa que a leitura de sua obra proporcionaria necessariamente um encontro com Deus.
Por que não?
Para Pascal, não é o homem que encontra Deus, mas justamente o contrário: é Deus que encontra o homem. “Se vos unem a Deus, é por graça, não por natureza”, diz o filósofo. Isso parece um detalhe, mas não é. A graça é necessária para a redenção, mas ela não é concedida por merecimento, caso contrário, como dizia São Paulo e Santo Agostinho, não seria graça, mas o pagamento de uma dívida que Deus teria com o homem, uma compensação. Além disso, para Pascal, pensador cristão, o pecado de Adão contaminou toda a humanidade, portanto, ninguém mereceria a graça redentora. Se Deus concede a graça a alguns predestinados é porque sua misericórdia é infinita, mas, se Ele os condena, é porque a sua justiça é infinita. O pessimismo agostiniano é algo muito forte na obra do pensador francês. Abandonada a si mesmo, a criatura só faz o mal, já que o homem tem uma vontade depravada, cujo deleite estaria em fazer o mal. A graça, quando concedida por Deus, rearticula a vontade que, em vez de deleitar-se no mal – no amor de si mesmo, no desejo de ser amado e adulado por todos –, deleita-se em cumprir o primeiro mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas”.
O que são formas de divertissement em nosso cotidiano?
O termo divertissment é muito caro para Pascal. Significa desvio. Um esquive estratégico da própria condição humana. O homem é incapaz de ficar em um quarto sozinho, sem atividades, sem afazeres: sentirá tédio. O tédio é um descanso doloroso para aqueles que sentem falta de inquietação. No tédio, diz Pascal, o homem passa a sentir o “seu nada, seu abandono, sua dependência, sua impotência, seu vazio”. A consequência disso é um mal-estar profundo. O divertissement é justamente esse mecanismo que nos desvia dessa miséria insuportável.
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Tem exemplos para nos dar?
Pascal concebia os jogos, a caça, a dança, a procura por empregos de grande reconhecimento, a guerra e o amor como expressões genuínas de divertissement. Não se trata de realizar qualquer atividade, mas algo que produza um frenesi ávido por aquilo que ambicionamos. Assim, criamos a ilusão de que superando alguns obstáculos conseguiremos aquilo de desejamos – seja um excelente cargo ou a pessoa amada – e, por conseguinte, tal conquista nos traria tranquilidade, paz e felicidade. Mas a obtenção daquilo que vislumbramos não cumpre com as expectativas de repouso e felicidade que imaginávamos. Diante disso, ou mergulhamos mais uma vez no processo do divertissement, inventando um outro objeto de desejo, ou seremos invadidos pelo tédio – tristeza profunda.
Hoje também é assim?
Hoje, além daquelas atividades já mencionadas por Pascal, a tecnologia nos mantém ocupados, o anseio por desempenho nos mantém preocupados, e assim a vida passa sem que a percebamos. Mas “tirai-lhes a diversão”, diria Pascal sobre os homens do século XXI, “vós os vereis secar de tédio”. É certo que ninguém suporta ficar o tempo todo no tédio. Pascal sabia disso, e dizia que era necessário “relaxar um pouco o espírito”, mas que “isso abre a porta para as maiores extravagâncias”. Diria que o tédio pode ser uma oportunidade: ficamos distantes dos outros e de todas as atividades que o mundo proporciona, mas não ficamos tão solitários, pois estamos mais próximos de nós mesmos. Há quem esteja no divertissement e se sinta mais solitário: sozinho em meio à multidão e distante de si mesmo. Bem-aventurados os corajosos que fazem a experiência do tédio.
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Do Reino Nefasto do Amor-Próprio – A origem do mal em Blaise Pascal
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