Imaginação moral, você sabe o que é? Entenda o conceito e como percebê-lo naquilo que vemos, lemos e vivemos. Explicado por Alex Catharino, autor que faz parte da Biblioteca Crítica Social, também especialista na obra de Russell Kirk, você compreenderá de maneira clara esse termo tão importante para a cultura. Confira o bate-papo rápido para o Blog da É!
É Realizações – O que é imaginação moral?
Alex Catharino: Conforme explicamos detalhadamente em nosso livro Russell Kirk: O Peregrino da Terra Desolada, a noção de “imaginação moral” é um dos aspectos mais importantes do conservadorismo kirkiano.
A essência da mentalidade conservadora proposta por Kirk não pode ser entendida como uma mera doutrina política, mas, acima de tudo, como um estilo de vida, forjado pela educação e pela cultura, que se expressa numa forma de humanismo cristão, sustentado por uma concepção sacramental da realidade.
Os fatos e as circunstâncias culturais, como a moral e as instituições sociais, não são vistos como acidentes históricos, mas como desenvolvimentos necessários da própria natureza humana.
O tipo de pensamento conservador defendido por Kirk é como uma completa negação das modernas ideologias, que, por sua vez, são descritas por este autor como as verdadeiras causas tanto das desordens morais na alma dos indivíduos quanto dos problemas externos na ordem da sociedade.
Quando surgiu o termo?
O termo “imaginação moral” foi cunhado originalmente por Edmund Burke, no livro Reflexões sobre a Revolução em França, de 1790, como uma metáfora para descrever a maneira pela qual os revolucionários franceses, guiados por falácias ideológicas, estavam promovendo a destruição dos costumes civilizatórios tradicionais, que durante gerações foram sustentados pelo espírito religioso e pelo sentimento de cavalheirismo.
A expressão cunhada pela retórica burkeana tomou dimensões mais amplas nas reflexões de Russell Kirk, que, ao relacionar o insight do parlamentar irlandês com algumas ideias de outros pensadores, como por exemplo Irving Babbitt e T. S. Eliot, desenvolveu um novo conceito, segundo o qual a imaginação moral é “o poder de percepção ética que atravessa as barreiras da experiência individual e de eventos momentâneos”, ao aspirar a “apreensão da ordem correta da alma e da ordem correta da comunidade política” e, simultaneamente, informar “sobre a dignidade da natureza humana”.
Esse termo tem relação com outros termos?
A imaginação moral tem relação com o que foi denominado “sentido ilativo” ou “senso ilativo”, pelo cardeal John Henry Newman. Esta faculdade foi expressa de forma sintética por Russell Kirk como sendo um “produto combinado da intuição, do instinto, da imaginação e da longa e complexa experiência”.
Deste modo, a imaginação moral pode ser entendida como a “capacidade distintamente humana de conceber a pessoa como um ser moral” e, ao mesmo tempo, como “o processo pelo qual o eu cria metáforas a partir de imagens” e de experiências “captadas pelos sentidos”, armazenadas na mente e, posteriormente, “empregadas para descobrir e julgar” os padrões éticos em realidades concretas.
Em que a imaginação moral pode nos ajudar no dia a dia?
Russell Kirk acreditava em uma concepção sacramental da realidade, o que o fazia defender que a vida é uma alegoria, que só pode compreendida por parábolas.
A partir desta premissa, o conceito kirkiano de imaginação moral, em linhas gerais, se assemelha tanto às metáforas do “contrato primitivo da sociedade eterna” de Edmund Burke e da “democracia dos mortos” de G. K. Chesterton quanto com a noção descrita como Tao por C. S. Lewis para explicar os princípios expressos pela Lei Natural, denominados, também, como “moral tradicional, primeiros princípios da razão prática ou primeiros lugares-comuns”.
Tais normas “são expressões práticas do que a humanidade aprendeu na escola das quedas e tropeços”.
A imaginação moral se opõe às formas anárquicas e corrompidas de imaginação que dominam o cenário cultural de nossa época, colaborando no processo de desagregação normativa da civilização ocidental.
Sustentadas em visões ideológicas ou niilistas acerca da condição humana e da natureza da sociedade estas são a “imaginação idílica” e a “imaginação diabólica”.
A imaginação idílica é um pérfido impulso utópico para romper com o “contrato da sociedade eterna” e para substituir a obrigação moral pelo culto de um egoísmo temerário.
A imaginação diabólica e caracteriza “pela perda do conceito de pecado e pela concepção de natureza humana infinitamente maleável e mutável” expressa na moralidade pluralista e na mentalidade relativista do multiculturalismo que entende “as normas morais como valores relativos às preferências individuais subjetivas ou à transitoriedade dos diferentes contextos culturais, defendendo a abolição de qualquer norma objetiva”.
De acordo com a perspectiva kirkiana, “quando a imaginação moral se enriquece, as pessoas se percebem capazes de grandes coisas”, entretanto, o empobrecimento dessa percepção ética impossibilita a ação eficaz e a “própria sobrevivência, a despeito da abundância de recursos materiais”.
Logo, a imaginação moral poderá nortear as pessoas para um melhor entendimento da realidade que nos cerca, oferecendo padrões normativos de verdade, de bem e de beleza, fundados não apenas em nosso limitado entendimento, mas na tradição, reafirmando a ideia de que somos “anões em ombros de gigantes”, conseguindo enxergar até mais longe caso tenhamos a humildade de levar adiante a tocha do conhecimento acumulado por nossos ancestrais, criando um elo entre o passado, o presente e o futuro.
É possível desenvolver a imaginação moral? Como fazemos isso?
A imaginação moral é uma via de mão dupla. Determinadas obras artísticas são profundamente dotadas de conteúdo moral e ajudam no processo de desenvolvimento da imaginação moral do indivíduo. Encontramos profundos elementos de imaginação moral ao longo de toda a literatura ocidental. Os exemplos são inúmeros.
De modo não extensivo merece destaque uma variedade de gêneros. Em primeiro lugar, temos os grandes poemas épicos clássicos, como a Ilíada e a Odisseia de Homero ou a Eneida de Virgílio, as tragédias de Ésquilo e de Sófocles, as comedias de Aristófanes, o círculo arturiano e demais romances ou poemas de cavalaria medievais, a Divina Comédia de Dante Alighieri, as tragédias de William Shakespeare, o Don Quixote de Miguel de Cervantes, O Paraíso Perdido de John Milton, o Fausto de Johann Wolfgang von Goethe, e as grandes obra de Fiódor Dostoiévski.
Merece um destaque especial as fábulas de Esopo e de La Fontaine, bem como os contos fada coligidos por Charles Perrault, por Hans Christian Andersen, pelos irmãos Grimm e por Andrew Lang, além de uma série de estórias infantis mais recentes.
É possível, também, mencionar centenas de trabalhos de romancistas ou de poetas modernos, como Jonathan Swift, Daniel Defoe, Samuel Taylor Coleridge, Sir Walter Scott, Nathaniel Hawthorne, Alexandre Dumas, Jane Austen, Joseph Conrad, T. S. Eliot, Robert Frost, Flannery O’Connor e tantos outros.
Em um período mais recente podemos citar obras de grande sucesso popular, todas elas adaptadas para o cinema, como, por exemplo, de O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien, As Crônicas de Nárnia de C. S. Lewis, a saga de Harry Potter de J. K. Rowling e a trilogia Jogos Vorazes de Suzane Collins.
A imaginação moral não está presente apenas em trabalhos literários de ficção. É possível apreender a normatividade acerca da natureza humana e da ordem social por intermédio de narrativas históricas, reflexões filosóficas, e escritos teológicos.
A principal fonte dessa imaginação moral sempre foi a Bíblia, assim como obras de grandes teólogos como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.
A filosofia clássica de Platão e de Aristóteles, assim como dos estoicos e de Cícero, também são muito importantes. Por fim, temos os trabalhos de historiadores clássicos como Heródoto, Tucídides, Tito Lívio e Tácito.
Todavia, devemos ter um imenso cuidado para não confundir a noção de imaginação moral com algum tipo de moralismo. A formação pessoal do leitor é fundamental para apreendermos a imaginação moral nas grandes obras literárias. Quanto maior for nossa disciplina de leitura, mais estaremos aptos para alimentar nossa imaginação moral.
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