Invasão Vertical dos Bárbaros é um livro extraordinário de um dos mais importantes filósofos brasileiros: Mário Ferreira dos Santos. A obra tece uma reflexão acerca dos fundamentos da cultura e de que forma os bárbaros entram em territórios civilizados.
Com apresentação de Luiz Felipe Pondé, a publicação faz parte da instigante Coleção Abertura Cultural e está dividido em duas partes:
- Parte I: Invasão Vertical dos Bárbaros na Sensibilidade e na Afetividade
- Parte II: O Barbarismo e a Intelectualidade
Para o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que escreve na apresentação intitulada “O homem é a consciência da crise”, o livro é um manifesto e uma denúncia. Acima de tudo, tem a “urgência em passar uma ideia”.
A ideia a qual se refere Pondé é a de que a condição humana está sendo esmagada pela superficialidade; o que para o pensador contemporâneo é uma forma de barbárie.
Em Invasão Vertical dos Bárbaros, Mário Ferreira dos Santos explica quais são as duas formas de barbárie: a horizontal e a vertical.
A primeira, trata-se da ocupação territorial geográfica, que costuma acontecer de forma lenta e gradual. A segunda, por sua vez, refere-se à tomada de posse da cultura e sua corrupção.
Leitura indispensável para quem deseja compreender os tempos atuais, em Invasão Vertical dos Bárbaros é possível apreender, com exemplos empíricos e históricos, o que vem a ser essa “invasão”.
Veja alguns temas abordados na publicação:
- Sensibilidade
- Afetividade
- Valores
- Valorização exagerada do corpo
- Supervalorização romântica da intuição
- Sensualidade
- Mau gosto
- Credos primitivos
- Razão e caos
- Desumanização do homem
- Desvalorização da inteligência
- Desvalorização da vontade
- O conceito de Deus
São mais de 50 reflexões, entre ensaios e aforismos, que desvelam separadamente — e juntos! —, o que significam os conceitos: invasão, vertical e bárbaro. O termo completo “invasão vertical dos bárbaros” foi tomado do político alemão Walther Rathenau.
Confira o que Mário Ferreira dos Santos escreve no prefácio da obra:
“Esta obra é uma denúncia dessa invasão, que, preparando-se e desenvolvendo-se há quase quatro séculos, atinge agora um estágio intolerável, e que nos ameaça definitivamente. Como obra de denúncia, e que aspira alcançar o maior número de pessoas, dela afastamos, tanto quanto possível, o tecnicismo da linguagem científica, que cabe às disciplinas abordadas aqui, temas que são próprios do seu objeto formal. Nossa linguagem é o mais geral possível, o suficiente para tornar claros os aspectos em exame.”
Leia trechos das duas partes do livro Invasão Vertical dos Bárbaros, exclusivo do catálogo da É Realizações.
Parte I: Invasão Vertical dos Bárbaros na Sensibilidade e na Afetividade
“O barbarismo vertical processa uma supervalorização do visual, de modo que os espetáculos são mais organizados para os olhos do que para os ouvidos. A música popular, para exemplificar, é relativamente carente de aspectos cultos, embora plena de contribuições preciosas à catarse humana. Em períodos, como o nosso, em que a invasão vertical dos bárbaros se processa, a valorização do visual sobre o auditivo é crescente, e até o livro está ameaçado de nele o visual superar a leitura, que é mais auditiva, porque a palavra é para ser ouvida não para ser vista.”
“Um dos preconceitos românticos, mas que atua em sentido verdadeiramente bárbaro, consiste em afirmar que a Razão nos leva ao Caos, à desordem do pensamento, e que só a Intuição nos libertará desse final terrível. Esse aspecto se desenvolve em pseudomorfoses aparentemente cultas e será examinado na Segunda Parte desta obra: ‘O barbarismo e a Intelectualidade’.”
“Em nossa obra Filosofia e Romantismo, juntamos amplos aspectos da exagerada valorização romântica sobre a sensibilidade, a sensação, os sentimentos comuns, a intuição sensível, a fantasia e a sem-razão, e os estragos que o romantismo realizou, não só no filosofar, como em todas as outras manifestações superiores do homem, que foram deploráveis e cujos frutos ácidos colhemos agora.”
Para Mário Ferreira dos Santos, o romantismo se caracteriza pelos “seguintes aspectos:
- Valorização da sensibilidade sobre a intelectualidade.
- A sensação é mais rica do que a razão. Esta é estéril, apenas classificadora de estruturas despojadas de vida. A vida afetiva é mais profunda e, pela intuição sensível e afetiva, o homem penetra mais na intimidade das coisas. A razão apenas rotula, cataloga, não invade o âmago das coisas.
- A sensibilidade é criadora. A arte é superior ao pensamento especulativo. O artista não é um visionário qualquer, é um profeta e antecede as criações da ciência e da técnica (o que não é historicamente verdadeiro). O artista cria mundos novos; o especulador apenas reúne num museu de ideias os resultados obtidos, as fichas do conhecimento.
- A vida supera razão — As razões da vida são superiores às da razão. Aquela é criadora, e não esta.
- A sem-razão supera os esquemas mecânicos e geométricos da racionalidade, e é muito mais rica de intuições e de descobertas que aquela.”
Parte II: O Barbarismo e a Intelectualidade
“O bárbaro, por suas condições, em verdadeira ojeriza da inteligência. Sua inteligência permanece quase totalmente dentro do campo da esfera cogitativa, que é um grau primário daquela. Sua esquemática é fundada nos sentidos, e seu pensamento situa-se apenas nos dados da memória e no material oferecido pela fantasia, pela imaginação, sobre os quais ele trabalha, construindo esquemas de primeiro grau de abstração, já que os esquemas de segundo e terceiro graus exigem maiores esforços, aos quais, em geral, não os alcança em seu conteúdo noemático, mas apenas nominaliter. Usa as palavras correspondentes, sem que haja precisão na representação. O resultado é a dificuldade que tem em compreender tais esquemas e, como a raposa ante a uva, toma a atitude de desprezo. Procura esconder a sua insuficiência, negando valor ao que o suplanta.”
“A religião, a filosofia e a ciência têm novamente de entrosar-se. O que precisamos são de homens que façam essa tarefa não daqueles que se excluem num especialismo vesgo e deformador. O que precisamos são de mentes fortes, de mentes poderosas, capazes de realizar as coisas, e não meros repetidores, porque essa repetição é característica do bárbaro.”
Quem foi Mário Ferreira dos Santos?
Mário Ferreira dos Santos nasceu em Tietê, interior de São Paulo, em 3 de janeiro de 1907. Durante sua trajetória, atuou como filósofo, tradutor e escritor.
Considerado um dos mais importantes pensadores do conservadorismo brasileiro, chegou, contudo, a ser militante anarquista em algum momento de sua vida.
Formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, traduziu para a língua portuguesa obras de Platão, Santo Tomás de Aquino e Friedrich Nietzsche.
Mário Ferreira dos Santos morreu de doença cardiovascular, em 11 de abril de 1968.
Sua obra, cada vez mais procurada entre os leitores brasileiros, é parte especial do catálogo da É Realizações, que possui, inclusive, uma seção dedicada exclusivamente ao filósofo.
A Biblioteca Mário Ferreira dos Santos oferece livros em edições críticas — com fac-símiles de documentos originais e acervo iconográfico — e conta com coordenação de João Cezar de Castro Rocha e projeto gráfico de Alexandre Wollner.
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