Junto com a onda conservadora que invadiu as redes sociais e o debate público, há uma onda que tem se tornado cada vez mais forte: a onda liberal. E associado a ela está o libertarianismo.
Com a velocidade e a facilidade que as pessoas têm no acesso à informação atualmente, não demorou para o libertarianismo ganhar evidência.
Diversos movimentos como Livres, Estudantes pela Liberdade, Libertários e Instituto Mises têm recebido destaque, juntamente com canais do YouTube como Ideias Radicais, Paulo Kogos e o polêmico Daniel Fraga.
Aqui, traremos para você algumas análises, críticas e opiniões sobre o libertarianismo. Falaremos um pouco sobre a história e o surgimento do libertarianismo, seus principais expoentes e suas diversas ramificações.
Em tempos nos quais parte relevante da discussão política está abrigada na internet, alegar falta de acesso à informação já não é desculpa para o desconhecimento. Existem diversos vídeos no YouTube e diversos sites que fornecem informações seguras sobre vários assuntos.
Aqui, além de ajudar você a saber mais sobre o liberalismo e o libertarianismo, deixamos algumas dicas ao longo do texto. Você não pode perder essas indicações!
O que é o libertarianismo?
O conceito de libertarianismo surgiu no século XIX, com os anarquistas individualistas franceses. Entre os principais nomes do anarquismo individualista, podemos citar Pierre-Joseph Proudhon, Henry David Thoreau, William Godwin e Hebert Spencer.
Embora o libertarianismo hoje em voga constitua uma radicalização do liberalismo econômico, o libertarianismo como tradição própria é independente, e historicamente conflitante, com o pensamento econômico liberal.
O liberalismo, desde os seus primórdios no Iluminismo, ainda que defenda o ideal de um Estado enxuto, não deixa de reconhecer a legitimidade do Estado, e portanto da autoridade.
O libertarianismo, devido à sua raiz anarquista, rejeita toda forma de coerção do indivíduo. Sendo assim, rejeita o Estado por princípio.
O libertarianismo é uma filosofia individualista que tem como um de seus pilares principais aquilo a que muitos chamam princípio de não agressão.
O princípio de não agressão (PNA) defende que cada indivíduo, tanto quanto não inflija dano a terceiros, pode decidir de forma autônoma o que é melhor para sua própria vida.
O presidente do Instituto Mises Brasil, Hélio Beltrão, explica o que é o princípio de não agressão neste vídeo publicado pelo Students for Liberty Brasil:
Desde que não haja nenhuma forma de agressão entre indivíduos, toda decisão é moralmente correta. Sendo assim, a moral, para libertários (e muitos liberais), é referente ao bem-estar dos indivíduos e ao bom convívio entre eles.
O que é ser um libertário? O que o libertarianismo defende?
Embora exista uma tendência de associar o libertarianismo ao anarcocapitalismo, essa associação é bastante precipitada, pois, ainda que todo anarcocapitalista seja libertário, nem todo libertário é anarcocapitalista.
O libertarianismo é, por natureza, anti-estatista, e não necessariamente é adepto a alguma modalidade de capitalismo.
As continuidades e rupturas entre o liberalismo clássico e o libertarianismo são um dos tópicos brilhantemente explorados por José Guilherme Merquior no livro O Liberalismo – Antigo e Moderno.
José Guilherme Merquior é considerado por muitos um dos maiores intelectuais que o Brasil já teve. Confira a palestra de lançamento do livro O Liberalismo – Antigo e Moderno, que aconteceu na É Realizações Espaço Cultural:
O libertário defende que a liberdade do indivíduo é o bem mais precioso que ele possui. Sendo assim, a luta pelas liberdades individuais deve ser a prioridade da humanidade.
Isso terá consequências em assuntos referentes à política e à economia, mas esses não são os objetivos finais do libertarianismo.
Embora o libertarianismo seja considerado por muitos apenas uma ideologia política, ele é muito mais abrangente.
Prova disso é que grupos ideologicamente diversos se identificam como libertários, por exemplo no interior do conservadorismo, do anarquismo e do socialismo.
Quais os principais tipos de libertarianismo?
Libertarianismo de esquerda
O libertarianismo trafega por uma grande extensão do espectro político sem muitos problemas.
O libertarianismo de esquerda faz oposição tanto à esquerda estatista e por vezes autoritária como à direita conservadora e ao liberalismo.
Mário Ferreira dos Santos, um grande filósofo anarquista, na obra Análise Dialética do Marxismo oferece uma contundente crítica libertária ao marxismo:
Podem os marxistas dissidentes alegar que a Rússia não é o verdadeiro exemplo do marxismo, mas os libertários acrescentam: de qualquer forma a Rússia é um fruto da árvore marxista. E os frutos são a verdade a respeito da árvore. Uma pereira que não dá peras está automaticamente refutada. Se os marxistas, no seu primeiro exemplo, falharam tão desastradamente, devem ser postos de lado de vez, pois nada mais deu além do que já era esperado pelos libertários, cuja crítica (e basta compulsar a obra libertária durante o século passado e neste) afirmou sempre que a Revolução Russa degeneraria numa nova brutalidade na história.
Além do mais, a alegação de que o marxismo é vitorioso numa terça parte do mundo não prova a validez de sua tese. A história conheceu vitórias como essas, e grandes derrotas finais, com prejuízo dos elementos sãos.
O marxismo ainda não venceu, e certamente não vencerá os seus adversários na última batalha.
(Mário Ferreira dos Santos, Análise Dialética do Marxismo, p. 164-65)
Uma das principais críticas dos libertários de esquerda à direita libertária diz respeito à propriedade privada. Para pensadores como Pierre-Joseph Proudhon, por exemplo, a propriedade não é um direito natural do indivíduo, mas, ao contrário, uma forma de alienação.
Para o libertarianismo de esquerda (ou seja, os socialistas libertários e anarquistas individualistas), a propriedade privada é comparável ao roubo e, por ferir o princípio de não agressão, deve ser rechaçada. O libertarianismo de esquerda defende, em oposição à propriedade privada, um modelo de propriedade coletiva.
Entre seus muitos expoentes, podemos citar Hilliel Steiner, Kevin Carson, Charles Johnson e Gary Chartier.
Libertarianismo de direita
O libertarianismo de direita possui divergências significativas com o libertarianismo de esquerda.
O libertarianismo de direita, representado basicamente pelo anarcocapitalismo e pelo conservadorismo libertário, diferentemente do libertarianismo de esquerda, defende o livre mercado e também a propriedade privada.
Para o libertarianismo de direita, a propriedade privada faz parte dos direitos naturais do ser humano. O direito à propriedade é fundamento inegociável do libertarianismo de direita.
Essa linha de pensamento é representada por figuras como Ron Paul, Hans-Hermann Hoppe e Murray Rothbard.
No caso do conservadorismo libertário, o que via de regra se sustenta é que o Estado deve ser tolerado apenas como meio para garantir as condições da preservação de certos valores.
Liberal vs Libertário – Diferenças
O liberalismo clássico mantém seu foco sobre os direitos individuais e a economia individualista. Para o liberal, o mercado deve ser livre para que os indivíduos possam se autogerir sem intervenção externa e, assim, possam fazer o que bem entenderem, desde que não interfiram na vida das outras pessoas.
Todavia:
Logicamente, é possível ser um libertário, no sentido de rejeitar o controle do governo, e ainda crer que a tomada de decisão particular deveria, enquanto questão de moralidade, ser guiada com fins altruístas. Também é coerente ver essa liberdade fragmentada como meio da busca pelo bem-estar puramente pessoal. Nesse sentido, tanto William Godwin (libertarianismo de esquerda) quanto Ayn Rand (libertarianismo de direita) poderiam ser incluídos como colaboradores do libertarianismo.
(Thomas Sowell, Conflito de Visões – Origens ideológicas das lutas políticas, p. 138)
O que há de característico no libertarianismo, tanto em sua modalidade de direita como em sua modalidade de esquerda, é que, uma vez rejeitado o Estado, não se supõe que caiba a ele o papel de preservar os meios para os indivíduos buscarem sua liberdade.
Segundo os libertários, todo indivíduo deve ser livre para escolher o que quiser – independentemente, inclusive, de agendas ideológicas ou coisa parecida.
Por esse motivo, o libertarianismo conta com aceitação (e, é claro, com rejeição) tanto à esquerda como à direita. Sejam os anarquistas individualistas e socialistas libertários, que repudiam a propriedade privada, sejam os anarcocapitalistas e liberais, que a engrandecem, identificam-se como libertários.
Um movimento libertário que ganhou a simpatia de diversos intelectuais foi o anarquismo filosófico, que, diferentemente do anarquismo clássico (que busca o fim do Estado, se preciso por meio de revolução violenta), acredita que naturalmente a humanidade caminhará para uma organização social livre.
Entre os adeptos do anarquismo filosófico, podemos citar o autor de ficção fantástica J. R. R. Tolkien, o filósofo político Henry David Thoreau e o líder do movimento pela independência da Índia, Mahatma Gandhi.
Principais críticas ao libertarianismo
O libertarianismo é alvo de muitas críticas, das quais a principal é relacionada à noção libertária de propriedade.
Os libertários, ao discutir a lei natural, dizem que um dos direitos inatos do ser humano é o direito à propriedade.
Murray Rothbard é considerado o pai do anarcocapitalismo, uma vertente libertária baseada no livre mercado.
O cerne da crítica dirige-se ao fato de que pensadores libertários como Murray Rothbard e Ludwig von Mises compreendem o corpo do indivíduo como posse dele, em vez de como o indivíduo em si.
Ao distinguir ontologicamente o indivíduo de seu corpo, o libertarianismo supõe um entendimento, a respeito do que é ser uma pessoa, que alguns acusam ser ingênuo. Há uma valorização do indivíduo, mas, em contrapartida, uma simplificação de nosso entendimento a respeito dele.
Livros sobre liberalismo e libertarianismo
O Liberalismo – Antigo e Moderno, de José Guilherme Merquior
José Guilherme Merquior faz uma pesquisa estimulante sobre a história e a evolução da teoria liberal desde o século XVII até o tempo presente. Combina uma enorme riqueza de informações – surpreendentemente condensada – com penetrante apresentação dos temas centrais do liberalismo.
Esta edição é enriquecida por vasta fortuna crítica e documentos do arquivo pessoal do autor.
O Fim do Fed – Por que acabar com o Banco Central, de Ron Paul
Em O Fim do Fed, o congressista americano Ron Paul chega à raiz do problema.
Em linguagem simples e clara, ele usa história, economia e sua própria biografia para explicar como, por que e para quem o Fed (Federal Reserve System) – o banco central norte-americano – manipula o sistema financeiro daquele país, e o que se pode fazer a respeito.
A Economia não Mente, de Guy Sorman
Analisando a evolução da economia de inúmeros países e comparando as políticas adotadas em cada um, este livro busca explicitar as condições políticas e culturais que propiciaram a expansão das economias ou que impediram seu crescimento.
Análise Dialética do Marxismo, de Mário Ferreira dos Santos
Esta obra foi censurada pela inquisição de Salazar em Portugal e considerada leitura obrigatória pelos mais expressivos militantes anarquistas da década de 1950 no Brasil: José Oiticica, Edgard Leuenroth, Jaime Cubero, entre ainda muitos outros.
Ao mesmo tempo, trata-se de uma aplicação da decadialética tão fiel à sua matriz pitagórico-escolástica quanto se preconiza nos demais escritos de Mário Ferreira dos Santos.
Em Análise Dialética do Marxismo temos uma união que somente a filosofia concreta poderia proporcionar: a historiografia de Lewis Mumford, o socialismo libertário de Proudhon, Bakunin, Malatesta e Fabbri e a ontognoseologia de Santo Tomás de Aquino, juntos contra o socialismo autoritário, tanto em suas manifestações históricas como em suas pressuposições materialistas.
Mediante detalhadas considerações dos textos de Marx, Engels e Lênin, este livro demonstra a inadequação das pretensões comunistas e defende a viabilidade de uma alternativa cooperacional.
O Julgamento das Nações, de Christopher Dawson
O Julgamento das Nações é um escrito avassalador. Do notório historiador britânico Christopher Dawson, o livro está dividido em duas partes.
A primeira investiga as origens da catástrofe espiritual que resultou na Segunda Grande Guerra: elas remontam às divisões por que passara o cristianismo, mas têm o seu momento decisivo no curto período dos cem anos que antecederam o conflito.
O Ocidente substituiu a fé cristã, sobre a qual os seus próprios valores se fundavam, pela religião secular do progresso. Somente preservando o legado do cristianismo é que se pode assegurar o valor da liberdade; por isso, a segunda parte da obra explora a possibilidade de se restaurar a ordem cristã.
O texto tanto mais se prova impactante à medida que se constata a atualidade do seu argumento.
Os Deuses da Revolução, de Christopher Dawson
Dividido em três partes, Os Deuses da Revolução investiga os antecedentes, o desenvolvimento e as reverberações da Revolução Francesa.
Primeiro um apanhado das ideias políticas influentes desde a Reforma até os primórdios do Iluminismo, com destaque para as figuras de Rousseau e Thomas Paine. Em seguida, uma narrativa minuciosa das décadas de 1780 e 1790, em que se veem os traços de brutalidade da Revolução em curso.
Por fim, notas mais interrogativas que conclusivas sobre as consequências daquele movimento: será reversível a tendência à adoração ao poder que o cristianismo silenciara mas a que os últimos séculos concederam novamente espaço?
Os famosos livros de Christopher Dawson sobre história antiga e medieval comprovam que poucos eruditos estariam tão capacitados quanto ele a encarar esse problema que é crucial para a política e a cultura modernas.
Conclusão
O libertarianismo, como pudemos ver, é muito mais complexo do que somos levados a pensar.
Tanto em suas expressões à direita como em suas expressões à esquerda, ele faz questionamentos relevantes para o debate político atual.
Por isso, não deixe de ler as obras e os autores recomendados para aprofundar sua perspectiva política e entender melhor essa ideia que tem cativado tantas pessoas hoje em dia!
Ótima matéria, acredito que a mais completa que já li. Mas o libertarianismo como tantos outros “ismos” acaba por não ser asseritvo quanto à moralidade social. Se acerta na economia deixa muito espaço acerca da moral na sociedade apesar da defesa integridade da pessoa não irá propor como se dão as ações para reprimir quem seria cometeria o crime pois dificulta a concepção de um padrão moral para isso. E Mário Ferreira dos Santos seria anarquista? Tenho dúvidas pois qual tipo de anarquista antes de falecer pediu para morrer sendo aparado de pé e rezando o Pai Nosso?
Antonio, no anarco-capitalismo voce poderia criar/participar de uma sociedade que tivesse leis que garantem seus costumes morais, contanto que esses nao violem a propriedade privada. Se as pessoas aderirem a essa sua sociedade livremente, nao existe problema algum. O maior conflito se encontra em querer impor esses costumes por meio do uso da força, o que nenhum cristão defende.
(Um pensamento de um leigo qualquer), eu posso usar a narrativa que o estado é necessário para garantir a moral, da mesma forma que posso usar para dizer que a moral é mais antiga que o estado visto que a família no ponto de vista humano é a primeira organização e lá a moral já era estabelecida, o que quer dizer que o estado é composto por indivíduos que se consideram “fortes entendidos e os únicos capazes de dizer o que é considerado moral” isso por si é imoral, eu não posso ser livre e reconhecer a autoridade de um estado em minha vida, o estado antes de ser estado são indivíduos, por fim não tem autoridade de decidir na individualidade do outro por quebrar o próprio princípio.
Autor: Emannuel Martiniano.
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