Por James Gaston
Este clássico de Christopher Dawson (1889 – 1970) veio a público, pela primeira vez, em 1961 e permanece até os dias atuais como uma das análises mais brilhantes e perspicazes do estado da educação moderna no ocidente.
Uma crítica tão incisiva da parte de Dawson não é de surpreender, visto ser ele um dos maiores intelectuais católicos de seu ou de qualquer outro tempo.
Viveu boa parte do século XX e sua profunda preocupação com esse período tempestuoso refletiu na sua produção intelectual. Ele deixou um legado de mais de 30 livros e 200 artigos sobre a história da humanidade, com foco na sociedade ocidental e na Igreja Católica Romana.
De modo a apreciar a totalidade do argumento de Dawson em A Crise da Educação Ocidental, é importante situá-lo no contexto de sua abrangente e sucinta visão acadêmica.
Podemos entender melhor sua visão se considerarmos sua infância e sua educação formal, pois ambas, de forma extraordinária, fizeram com que ele se tornasse consciente da natureza das mudanças radicais na cultura ocidental e do advento da modernidade.
Em sua juventude no País de Gales, testemunhou em primeira mão os efeitos incoerentes das mudanças econômicas e sociais relacionadas ao avanço do industrialismo.
Em Oxford, foi um dos últimos a se beneficiar de uma educação liberal completa, baseada na grande tradição ocidental do humanismo clássico; embora fosse um grande admirador desse excelente método, não ignorava suas limitações. A mesma experiência educacional formou a mente de outros grandes acadêmicos, tais como G. K. Chesterton, Hilaire Belloc, C. S. Lewis e Jacques Maritain, para listar apenas alguns.
Ponto comum a todos eles, foi o receio de que a Europa do século XX e, consequentemente, o resto do mundo, estivesse passando por uma difícil crise, e cada um encontrou uma maneira de investigar as origens e natureza desta tragédia
Segundo Dawson, a crise do século XX surgiu, principalmente, pela falha dos modernistas em compreender, em sua plenitude, o papel do Cristianismo na formação e no espírito da Europa, e esta omissão, por sua vez, se deu pela inabilidade – ou falta de vontade – de compreender o papel fundamental da religião na vida humana.
Tal visão unitária da cultura – apenas parcialmente presente na visão humanista clássica – foi, segundo Dawson, substituída por um humanismo secular, muitas vezes anticristão e impulsionado pelos ataques violentos do utilitarismo, da especialização científica e da tecnologia.
Toda obra de Christopher Dawson, em algum aspecto, tem como foco a importância da religião para o ser humano, do Cristianismo para a Europa, e das diversas e prejudiciais ramificações do materialismo moderno para o ocidente e para o mundo. Mas uma de suas grandes preocupações foi o papel central e devastador da educação moderna na malformação do imaginário e para o avanço do Estado em questões concernentes à educação. Esta preocupação é abordada de forma tripartida em A Crise da Educação Ocidental.
Na Parte I, “A História da Educação Liberal no Ocidente”, Dawson apresenta um assunto difícil e extensivo de uma forma que é ao mesmo tempo brilhante e impossível de ser resumida. Para os interessados neste importante e complexo tema, a necessidade de recorrer a outras fontes, com excepção de alguns pontos muito específicos, é inexistente. Posto de forma simples, não existe melhor relato da história da educação liberal no ocidente.
Na Parte II, “A Situação da Educação Cristã no Mundo Moderno”, Dawson aborda o verdadeiro ponto em questão. O problema, ele argumenta, é que o antigo paradigma e a tradição educacional humanista estariam sendo substituídas por um formato de educação estatal obrigatório, de caráter utilitário e democrático, baseada num modelo de Estado-nação, seguido de um ideal de especialização científica.
O desafio reside em encontrar um novo método de estudo que se contraponha a essa abordagem equivocada. Duas alternativas recentes foram incapazes de conter a desintegração ou oferecer uma visão mais aperfeiçoada de uma verdadeira educação nas artes liberais.
Em primeiro lugar, o “estudo geral” da civilização ocidental, almejando um estudo geral e integrado da cultura, ou um “núcleo” de disciplinas, falhou em alcançar o a visão Cristã do cosmos como o princípio unificador da cultura ocidental. Como resultado dessa falha, essa perspectiva geral acaba viciando as tentativas de interpretar nosso passado, dado a aversão inerente que ela traz ao não material, que, de fato, acaba por transformar todos esses assuntos “numa coleção amorfa de cursos alternativos”.
A segunda alternativa, comumente referida como um tipo de educação pelas “Grande Obras”, é enganosa por se atentar muito nas fontes do humanismo clássico ou demasiado especializada culturalmente em sua ênfase “no mais alto nível de inteligência cultivada”. Christopher Dawson argumenta que a única alternativa real é o estudo da Cultura Cristã, pois o cristianismo efetivamente formou a Europa, e porque a cultura como um todo constitui o único objeto verdadeiramente holístico para o estudo da humanidade.
Para Dawson, a cultura deveria ser entendida como um assunto que constitui todo o padrão da vida e pensamento humanos numa sociedade viva. A cultura constitui uma unidade histórica inegável e é muito mais real e extensa do que qualquer unidade política e, por si só, nos providencia um campo de estudos inteligível. Tal abordagem demanda tanto uma perspectiva sociológica quanto histórica.
Porém, com muita perspicácia, Dawson nos adverte que, “o que precisamos não é de conhecimento enciclopédico de todos os produtos da cultura cristã, mas de um estudo do próprio processo cultural e de suas raízes espirituais e teológicas, de seu crescimento histórico orgânico até os frutos culturais. É a relação orgânica entre teologia, história e cultura que fornece o princípio integrador da educação superior católica e é a única coisa capaz de ocupar o lugar do antigo humanismo clássico”.
Em suma, a visão de Dawson é verdadeiramente incarnacional, pois ele argumenta que a educação deve abraçar essa corrente de relacionamentos que vai de Cristo à Igreja, até o homem, seu intelecto e, por último, até à expressão cultural de sua visão como um todo. É apenas nessa série de relacionamentos, via religião e cultura, que podemos compreender o homem de um modo inteligível e ensiná-lo.
Na Parte III, “O Homem ocidental e a Ordem Tecnológica”, Dawson lamenta o caráter sub-religioso, pagão e tecnológico do mundo moderno. O homem moderno está desumanizado e consequentemente egoísta; e o vácuo moral e espiritual presente facilita o surgimento de um estado policial disfarçado de “modo de vida democrático”.
Os intelectuais e educadores católicos têm a obrigação de revitalizar a cultura ocidental, transmitindo a realidade e o estilo de vida genuinamente bom, associados à cultura e à religião cristãs. No pensamento de Christopher Dawson, a esperança para tal re-evangelização encontra-se nos Estados Unidos, porque os seus princípios fundadores dariam origem ao surgimento de centros de renovação educacional, como por exemplo, o Pontifício Instituto João Paulo II.
James Gaston é professor associado de história e diretor de humanidades e cultura católica na Universidade Franciscana de Steubenville. Este texto foi publicado originalmente em www.humanumreview.com e conta, nesta versão autorizada pelo autor, com tradução de Maurício Avoletta.