Por Theodore Dalrymple
Sir Roger Scruton, o filósofo conservador britânico que manteve sua relevância por quase meio século, morreu no dia 12 de janeiro, após uma doença que se prolongou por seis meses. Ele tinha 75 anos.
Demonstrou grande coragem moral durante toda a sua carreira, nadando contra a maré intelectual de seu tempo, independentemente da depreciação, dos insultos, das denúncias e até mesmo do ódio a ele dirigidos.
Por muito tempo, seu próprio nome era visto, entre a intelligentsia britânica, como um sinônimo de atavismo político ou do próprio mal, como se ele fosse um defensor radical da tirania e dos pogroms ao invés de um defensor da liberdade e dos valores civilizados.
No momento em que ele se tornou uma figura pública, grande parte da intelligentsia recusou-se a acreditar que aquele homem profundamente talentoso e bem informado pudesse ser também um conservador.
A rejeição de tudo o que era tradicional parecia-lhes tão óbvia, que não conseguiam pensar numa explicação possível para alguém dar valor à tradição, a não ser pela ignorância, pela desonestidade intelectual ou as duas coisas juntas.
A obra de Scruton é tão abrangente que chamá-lo de Homem da Renascença me parece inapropriado. Ele publicou livros sobre Kant e Spinoza, sobre a obra Tristão e Isolda de Wagner, sobre a estética da música e da arquitetura, direitos dos animais, vinhos, caça, a importância da cultura, a natureza de Deus, a relação dos homens com a natureza e sobre muitos outros temas.
Escreveu romances, pequenos contos e duas óperas. As palavras do Dr. Johnson para o epitáfio de Oliver Goldsmith vêm à mente: foram poucos os estilos por ele inexplorados, e em todos eles deixou sua marca.
Isso não quer dizer que as pessoas – quiçá nenhuma – concordariam com tudo o que ele escreveu, algo pouco provável para alguém com uma obra tão extensa. De qualquer forma, ele aceitava as discordâncias com equilíbrio, como condição natural, admirável e resultante da liberdade.
Diferente de muitos dos seus detratores que lhe afixavam rótulos para os tomarem depois como verdadeiros, Scruton foi justo com aqueles de quem discordava, sobretudo, daqueles cujas ideias ele julgava como tendo consequências desastrosas na sociedade ocidental.
Nas duas edições de seu livro sobre os pensadores da Nova Esquerda, por exemplo, elogiou de forma generosa o que considerou digno de elogios. Deu-lhes a honra de ler seus trabalhos com atenção, tentando ao máximo decifrar o que eles pretendiam expor (o que não é uma tarefa fácil, diante de tanta verborragia multissilábica), e refutando o que era preciso ser refutado.
Ao contrário do que supunham seus detratores, sua reação aos escritores alvos de sua crítica estava longe de ser resultado de um preconceito cego, ideológico ou de ideias pré-concebidas.
Sartre, por exemplo, foi – por seus primeiros trabalhos – o herói de Scruton. Autor que teve a habilidade de combinar perfeitamente a observação e a experiência de vida com um sutil pensamento metafísico, bastante contrário ao tipo de ensino filosófico que Scruton recebera em Cambridge, na qual se exaltava a vantagem do rigor e da precisão, tomando-se como vulgar a aplicação da filosofia à vida como ela é. Scruton repreendeu apenas o Sartre tardio, mero apologista da tirania e de assassinatos em massa; ou seja, ele fez as distinções necessárias.
Scruton era a favor do Brexit, mas nunca foi um isolacionista mesquinho. Ele considerava a França, e Paris em particular, como sua segunda casa e, talvez, seu lar espiritual. No entanto, os eventos ocorridos em 1968 contribuíram para a formação de sua experiência e permaneceram como um alerta pelo resto de sua vida.
Ao contrário dos jovens intelectuais de sua época, ele ficou chocado, não empolgado, com a onda de protestos de maio de 1968. Ele os considerou como a destruição voluntária de uma bela civilização, causada por pessoas mimadas que haviam sido beneficiadas por essa mesma civilização, além de uma rejeição da cultura em favor do primitivismo. Ficou do lado de quem desejava preservar ao invés de destruir. A seus olhos, era nítida a vulnerabilidade da nossa herança cultural.
Reverenciado em diversos países da Europa oriental, onde ajudou a manter viva a esperança dos intelectuais dissidentes, organizando clandestinamente seminários de filosofia em diversos países – muitas vezes se colocando em risco. Por outro lado, se desapontou ao se dar conta de que os jovens britânicos eram alheios a qualquer conhecimento histórico, e tão desprovidos de poder imaginativo, que eles não faziam ideia de como poderia ser a vida num sistema totalitário. Isso é importante, pois todo julgamento, incluindo o da nossa situação atual, fazer a comparação de que, sem consciência de quão terríveis as coisas podem vir a se tornar, alguém poderia fácil e frivolamente, encetar o caminho para a perdição.
Em seu último e comovente artigo no The Spectator, na verdade seu último parágrafo publicado em vida, enfatizou a importância de ser grato pelo que se teve a sorte de herdar. Não tomar nada como certo, preservar o que vale a pena preservar, compreender a fragilidade das coisas, relembrar as dívidas com o passado bem como aquelas com o futuro, deleitar-se no mundo. Essa foi a última mensagem desse homem extraordinariamente talentoso.
Comigo foi sempre muito gentil e encorajador. Muito mais importante ainda, é ter sido sempre um extraordinário pai para seus filhos.
* Artigo originalmente escrito para o City Journal, por Theodore Dalrymple, em 13 de janeiro de 2020. Com tradução de Maurício Avoletta.
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Um gênio falando de outro, parabéns pela tradução.