Vampyroteuthis Infernalis é o mais recente livro do filósofo checo-brasileiro Vilém Flusser. Na obra, o autor da comunicação trata de um tema, no mínimo, exótico: o polvo-vampiro-do-inferno.
O autor faz comparações com o gênero humano. Como escreve no livro: “O gênero octopodal é representado por 170 espécies, o gênero humano, por uma única sobrevivente: liquidamos com as demais.”
Flusser explica que todas as espécies do gênero Octopoda são compostas por animais ferozes, de mandíbulas potentes e que vivem no fundo dos oceanos.
Em suas próprias palavras, destaca um traço específico da espécie: “O aspecto mais característico dos Octopoda é, no entanto, a extraordinária complexidade de sua vida sexual.”
Leia o trecho completo!
“Pouco sabemos a respeito de seu rito durante o coito, de maneira que ignoramos muitos aspectos do processo. Sabemos, no entanto, que o ato do coito ocupa grande parte da vida, é composto de gestos variados (movimentos dos braços, da barriga, emissão de raios, coloração da pele, emissão de secreções químicas), e que tais gestos constituem verdadeiros espetáculos públicos afinadamente estruturados.”
A publicação que vem para integrar a Biblioteca Vilém Flusser possui 304 páginas, cerca de 150 delas ocupadas pelo texto inusitado do autor; as demais, por correspondências e posfácios.
Tais correspondências são entre Vilém Flusser, Milton Vargas e Dora Ferreira da Silva. Com idealização de Rodrigo Petronio e Rodrigo Maltez Novaes, que também é responsável pela organização, Vampyroteuthis Infernalis foi escrito no inverno europeu de 1980/81 e autotraduzido em três idiomas: português, francês e alemão.
Vampyroteuthis Infernalis é uma mescla de tratado científico, fábula, paródia e discurso filosófico — sob uma perspectiva bastante criativa. Curioso e muito instigante!
Confira trechos da obra!
Trechos de Vampyroteuthis Infernalis ou polvo-vampiro-do-inferno
“Embora o Vampyroteuthis esteja muito afastado de nós, está, não obstante, conosco no mundo. Trata-se de um ser-conosco (Mitsein), de maneira que nos convida à reflexão imanente ao mundo. O resto desse ensaio será fábula; tentativa de criticar a nossa existência vertebrada do ponto de vista molusco. Como toda fábula, esta também tratará, sobretudo, do ser humano, embora um animal lhe sirva de pretexto. De te fabula narratur.”
“A fêmea é maior que o macho. Seus ovários estão localizados na cavidade entre o saco e o manto. A copulação é interna, complexa e longa. É precedida e seguida de ritos nupciais prolongados. O macho dispõe de três tipos de pênis. O pênis verdadeiro é um tubo flexível contendo o esperma, e é este que penetra a caverna feminina. Lá, sua ponta se separa do pênis, avança ao longo dos ovários, deposita o esperma e morre. Tal ponta é regenerável. O segundo pênis, em forma de colher, penetra durante o coito até a boca feminina, passa por entre os dentes na língua e excita a fêmea a secretar hormônios específicos. O terceiro pênis, em forma de polegar, apalpa durante o coito a barriga feminina, e sua função fisiológica é ignorada. Esse terceiro pênis serve, fora da copulação, como órgão apalpador de objetos. Como se nós, os seres humanos, apreendêssemos o mundo não apenas com os dedos, mas também com um pênis.”
“Os oceanos vivem. São literalmente repletos de vida. Quatro quintos de toda a nossa biomassa se encontram nele. O resto, que habita em terra firme, não passa de gotas expelidas pelos oceanos. Enorme parcela dos indivíduos vivos está no mar, e também a grande maioria das espécies, dos gêneros, das classes. Os maiores indivíduos são organismos marinhos. O oceano é, tanto do ponto de vista quantitativo como do qualitativo, tanto do ponto de vista atual, a pátria da vida. Tal terreno vital forma ecossistemas que são esferas vitais interpenetrantes. (…) Os ecossistemas oceânicos são de fertilidade inimaginável. É verdade que há desertos nos oceanos, regiões pouco fertilizadas pela vegetação marinha, a fitoplâncton. Mas a maioria dos ecossistemas literalmente explode de vida.”
“Pois esse é o ambiente, o hábitat, do Vampyroteuthis: o centro do mundo. O Grande Furo que aspira a vida toda. E ele permanentemente vivificado pela chuva do maná que se precipita sobre ele. É ele noite eterna iluminada pelos raios vivos emanados de seres vivos, refletidos pelo solo e pelos seres vivos. Um eterno son et lumière, um espetáculo de luminosidade sonoridade infinitamente variáveis. O chão está recoberto de minerais vermelhos, brancos e roxos. Há dunas de areias azul e amarela. Em toda parte, estão espalhadas pérolas brilhantes de vidro, restos de meteoritos fundidos. A paisagem está recoberta de florestas, de prados e de campos de animais semelhantes a plantas, que se balançam ao sabor das correntezas, que emitem luzes multicoloridas e que se movem ritmicamente como leques. Por entre tais pseudoplantas, passeiam caramujos gigantescos que resplandecem nas cores do arco-íris e, por cima, voam enxames de caranguejos vermelhos, amarelos e cor de prata que brilham. Um jardim que sussurra, brilha e dança. É um jardim que está lá para que o Vampyroteuthis o goze, que se delicie dos seus frutos como bem lhe parecer. É este o abismo: o paraíso.”
“O que acontece é isto: o abismo é um hábitat determinado, isto é, habitado pelo Vampyroteuthis e habitual para ele, e não habitado por seres humanos e inabitável, inabitual para eles. Para o Vampyroteuthis, é acolhedor, para nós, é terrificante. O que devemos fazer, se quisermos descobrir o Vampyroteuthis, é procurar habituarmo-nos ao inabitual, já que não podemos habitar o inabitável. Se conseguirmos fazê-lo, poderemos contemplar o que nos é habitual como se fosse inabitual: redescobrir o inabitual que é o ser humano.”
Outros livros de Vilém Flusser
Além do lançamento Vampyroteuthis Infernalis, você pode conhecer em nossa loja on-line outros livros de Vilém Flusser, como o mais famoso deles: Filosofia da Caixa Preta, no qual analisa o significado histórico e cultural de termos que nos tornou uma sociedade que se guia pelas imagens.
Outra sugestão de livros de Vilém Flusser é o Elogio da Superficialidade – O universo das imagens técnicas, obra que discorre acerca do significado cultural das tecnoimagens, a linguagem de nossa era.
Deixamos, por fim, mais uma opção de leitura do pensador: Da Dúvida é um livro que convida à reflexão a respeito desse conceito, sobretudo em nosso tempo. Essa edição conta com posfácios assinados por Celso Lafer, Julio Cabrera e Soraya Guimarães Hoepfner.
Conheça mais nosso catálogo de livros e aproveite autores fundamentais para uma excelente formação de repertório.
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