Vilém Flusser, filósofo judeu nascido em Praga, em 1920, é o homem da linguagem; também a planta arrancada de seu solo original para sobreviver em um vaso de nome Brasil, em 1940, fugido da guerra.
É assim que descreve a si mesmo, porque aos 20 anos teve que fugir para sobreviver. E conseguiu. Já sua família, não. Da cidade de Boêmia, interior da até então Tchecoslováquia, morreram todos da obsessão nazista.
Soube da morte do pai assim que chegou ao Brasil. Dois anos depois, sua mãe e sua irmã mais nova, de apenas 12 anos, fariam parte da história horripilante de Auschwitz.
Então é lógico que o vazio e a falta de sentido fincassem raízes em seu coração, a ponto de dedicar-se à pergunta mais representativa de Camus: a vida merece ou não ser vivida?
Descobria a resposta através da palavra. Será por isso que a dissecou tanto? Balbucio, salada de palavras, conversa fiada, conversação, poesia, oração…
Flusser publicou uma autobiografia filosófica: Bodenlos. Significa “sem chão”, “sem terra”, “sem fundamento”.
Filho de membro do Partido Socialista, além de professor de matemática, Vilém ingressou na faculdade em 1939, um ano antes de largá-la para ter que fugir. E ele foge com seu amor de infância, Edith Barth, quem se tornaria sua esposa. Destino: Inglaterra.
Carregou com ele apenas dois livros: Fausto, de Goethe; e um livro judaico de preces. Infelizmente, são barrados na fronteira com a Holanda.
Mas com sogro de posses, foram salvos. Conseguiram chegar à Inglaterra escondidos no porta-malas de um carro. Vieram Vilém e a família de Edith. Os Flusser ficaram para além.
Em uma nova terra, os livros tornam-se refúgio. Não por muito tempo, porque quando Paris virou escombros a família veio para o Brasil. O casamento de Vilém Flusser e Edith Barth aconteceu no Rio de Janeiro.
Logo depois, mudaram-se para São Paulo. Vilém e Edith tiveram três filhos: Dinah, Miguel Gustavo e Victor. Naturalizou-se brasileiro e foi trabalhar com o sogro numa empresa de importação e exportação, embora jamais deixasse seus livros de lado. Dizem que nunca comprou nenhum. Ou eram dados ou emprestados. Todo grande tem seus mitos.
Abriram o próprio negócio. Foram morar no Rio de Janeiro outra vez mais um ano. Foi então que tentou dedicar-se integralmente à vida intelectual, sua paixão. Sua espetacular memória pedia. Recitava Goethe e Shakespeare com precisão.
Foi assim que se tornou professor de teoria da comunicação na Fundação Armando Alvares Penteado; e de filosofia da linguagem, no Departamento de Humanidades do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos. Também deu aulas de filosofia da ciência na Universidade de São Paulo. Tornou-se o renomado teórico dos veículos de mídia, da comunicação, da fotografia e do design. Homem da linguagem.
Na imprensa brasileira, atuou no O Estado de S. Paulo e como colunista da Folha de S. Paulo. Escreveu sobre a mulher, sobre o diabo, sobre Pelé, entre tantos outros temas: arte, tecnologias da comunicação, filosofia, arte da escrita, exílio, história da cultura, natureza, cultura brasileira; assim construiu imenso legado.
Em seus livros, Flusser abordou temas como computação gráfica e internet. Filosofia da caixa preta é seu livro de maior sucesso no Brasil. Fez-se tão referência no campo da teoria da fotografia que passou quase transparente como um dos primeiros intelectuais a perceber a importância das tecnologias de informação. Infelizmente, morreu antes de ver o surgimento da Internet e dos smartphones.
Seu pensamento é reconhecido em teses, livros, projetos artísticos e acadêmicos. Seu nome estampa o prêmio do Transmediale – Festival for Media Art and Digital Culture, um dos mais respeitados eventos artísticos da Europa.
Há também a “Flusseriana: an intellectual toolbox”, publicação em inglês, português e alemão, que apresenta termos técnicos que aparecem na obra de Vilém.
No Brasil, há o Arquivo Vilém Flusser São Paulo, que conta com a digitalização do acervo original do Vilém Flusser Archive Berlin.
Foi amigo de Milton Vargas, Vicente Ferreira da Silva, João Guimarães Rosa, Miguel Reale, Haroldo de Campos, Dora Ferreira da Silva e José Bueno, além de imigrantes também no Brasil, como Samson Flexor, Alex Bloch, Romy Fink e Mira Schendel.
Em 1972, decide voltar a morar na Europa. Primeiro em Merano, na Itália; depois em Aix-en-Provence e em seguida em Robion, ambos na França. Foram 32 anos morando e construindo sua obra em nossas terras.
Morreu em 1991, de acidente de carro, em Praga. Edith estava junto, mas sobreviveu. Em sua lápide, inscrição em três idiomas: hebraico, tcheco e português.
Não é possível dissociar a experiência do pensamento de Vilém Flusser de sua própria história de vida. Sua obra consiste em cerca de 11.500 textos, entre livros, ensaios, correspondências, poemas, além de cursos, áudios e vídeos. O mais instigante é que a estimativa é de que cerca de 80% do material reunido seja inédito.
Que sorte a do mundo!
E de quem encontra na É Realizações parte desse tesouro! Confira nossos títulos de Vilém Flusser: Da Dúvida, Elogio da Superficialidade – O universo das imagens técnicas, Pós-História – Vinte instantâneos e um modo de usar.
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