O meio padrão de fazermos a linguagem comportar a doença é enchê-la de termos técnicos, difíceis, intangíveis. A isso o médico Andrés está habituado, e a defesa de que a verdade seja sempre dita aos pacientes o tornou aliás relativamente conhecido. Outra porém foi a experiência, e de uma muito mais cortante percepção literária, quando pela primeira vez ele sentiu a força de desabamento – o efeito desestabilizador – que acompanha o tropeço de S’s e T’s da palavra metástase. Quando o alvo de um diagnóstico de câncer terminal foi Javier, seu próprio pai: o único familiar com quem cresceu, e que o protegera na infância dos efeitos traumáticos da morte inesperada de sua mãe. Enquanto se prepara a esses que serão o diálogo e o tratamento mais difíceis de que já participou, Andrés é procurado com incontida insistência por Ernesto, alguém convicto de que terá com ele uma relação paciente-médico que finalmente o curará. Karina, a secretária, testemunha a chegada à caixa de entrada duma torrente doentia de e-mails. Alberto Barrera Tyszka faz com que ela, e Andrés, e nós, questionemos onde está e como lidar com A Doença.
Se entre as intenções da literatura está fazer a linguagem desabituar-nos à banalidade, e assim nos pôr atentos às ambiguidades da vida, então a atual obsessão pela saúde permanente constitui um fenômeno eminentemente antiliterário. Neste livro, que lhe valeu na Espanha o Prêmio Herralde de Romance (mesma distinção que revelou escritores como Roberto Bolaño), Alberto Barrera Tyszka, conhecido no Brasil como autor de Mulheres que Matam, transforma a doença em matéria da literatura ao mesmo tempo que dá às duas a chance de que excedam uma à outra. Em torno às histórias de um médico que tem um diagnóstico fatal para o próprio pai e de um paciente que vê na celebrada transparência do mesmo médico a esperança de um tratamento que finalmente o cure, o autor guarda espaço para que apareçam ainda o desejo, o cotidiano, a vida moderna, as relações sociais. Personagens e leitores são assim levados ao estado em que A Doença – o livro quase tanto quanto a própria coisa – mostra poder estar no inútil o verdadeiramente necessário. Nesta edição brasileira, o texto é traduzido pelo poeta Marco Catalão.